quinta-feira, 26 de junho de 2014

Cerimônia de abertura da Copa contou com presença de cuiabana e de transexual; confira a entrevista

Tarley Carvalho (com colaboração de Marco Júnior)

Cerimônia de Abertura da Copa Fifa 2014 - Foto: G1


Passado mais de uma semana da abertura oficial da Copa do Mundo, o InformeCapital conversou com alguns dos bailarinos que fizeram parte do corpo coreógrafo do espetáculo. Apesar do árduo ensaio que durou três meses, a apresentação não agradou muito e recebeu críticas da imprensa nacional e internacional, da população brasileira e foi alvo de ataques nas mídias sociais.

Cerimônia de Abertura da Copa Fifa 2014.
Foto: Divulgação
Todo trabalho artístico está sujeito a críticas, contudo, ao olhar as opiniões veiculadas na imprensa, tem-se a impressão que muitos artistas, nacionalmente reconhecidos, esqueceram-se de que estrelam filmes, tele-novelas, peças teatrais, entre outros, e que também estão sujeitos a não agradarem o público em algum trabalho.

Apesar de uma equipe composta por mais de 600 artistas, a opinião destes bailarinos, que ensaiaram por três meses para a abertura da Copa, ficou esquecida. O InformeCapital conversou com alguns dos integrantes que fizeram parte da equipe de apresentação. Entre elas, uma cuiabana e uma transexual.

Márcia (à esquerda) e Laura (à direita) - Foto: Arquivo Pessoal
A cuiabana Laura Delgado tem 20 anos e está em São Paulo há um ano cursando o 7º semestre de Direito na FMU (Faculdades Metropolitanas Unidas). Bailarina desde os nove anos de idade, Laura continua estudando ballet clássico em São Paulo. Quando recebeu o convite de ser voluntária na coreografia de abertura da Copa do Mundo, ela viu a oportunidade de deixar a sua marca nesse momento histórico que o Brasil passa.

Márcia Araújo Dailyn tem 35 anos e é formada pelo Teatro Municipal de São Paulo e é a primeira bailarina transexual a se formar em ballet clássico no Brasil. Além disso, Márcia também se formou na escola Macunaíma de Teatro de São Paulo. Ela também é a primeira transexual a participar da abertura de uma Copa do Mundo.


O InformeCapital fez um bate-bola com as duas e o resultado você confere abaixo:

InformeCapital – Como foi participar da abertura da Copa do Mundo? O que vocês sentiram?

Laura – Foi maravilhoso! Não só no dia da cerimônia de abertura em si, mas certamente toda a fase de preparação e ensaios árduos também foram gratificantes! O contato com as diversas pessoas envolvidas e todos os momentos vividos me trouxeram muitos aprendizados, tanto artístico, como humano. Me sinto muito feliz em ter participado!

Márcia – Eu amei participar! Eu nunca imaginei que iria me apresentar para 60 mil pessoas ao vivo e ser televisionada pelo mundo na abertura do 2º maior evento esportivo do planeta. Eu agradeço muito a Deus.

InformeCapital – Márcia, você encontrou alguma resistência ao entrar para o corpo coreógrafo por ser transexual?

Equipe Coreográfica - Foto: Arquivo Pessoal
Márcia – Não, nenhuma! Eles foram atenciosos. A direção me apresentou para Fifa como inclusão artística, eles me apoiaram e me incentivaram.

InformeCapital – Laura, como foi essa mistura durante a apresentação? Quem estava mais presente: a cuiabana ou a bailarina?

Laura – Pensei em Cuiabá em cada segundo vivido. Meu personagem foi uma samambaia, e meu Estado possui uma flora riquíssima. Este foi um dos motivos por eu ter ficado tão feliz com o meu papel. A bailaria e a cuiabana estavam ali, juntas. Ambas vivendo a visão técnica em fazer aquilo que deveria ser feito e que foi ensaiado, e ambas vivendo o coração batendo forte de emoção e gratidão por estar participando de um evento tão grande.

InformeCapital – Recebeu apoio dos cuiabanos? Acha que se soubessem que havia alguém de Cuiabá na abertura prestariam mais atenção?

Laura – Minha família me apoiou em participar. E apesar da distância, percebi que, como sempre em tudo que faço, viveram cada emoção junto comigo! Já sobre o povo, pode ser que sim, e pode ser que não. É normal nos identificarmos quando sabemos que um de nós se faz presente naquilo que vemos. Mas acredito também que entre a diversidade que o nosso Brasil possui, está esse calor humano que nos une. Além de cuiabana, me senti brasileira, e percebi que todos do elenco também tinham o mesmo sentimento de serem brasileiros. Percebi que Cuiabá estava bem representada, não necessariamente apenas por mim, mas por todos que, em seu esforço, sorriso, alegria e dedicação, colocaram em cena o amor que tem por cada cantinho desse Brasil tão grande.

InformeCapital – Falando um pouco sobre as críticas. Muita gente não gostou da apresentação, inclusive, boa parte da imprensa atacou a abertura dizendo que foi uma vergonha. Como vocês, que participaram do processo, encararam tudo isso?

Cerimônia de Abertura Copa 2014 - Foto: Reprodução / Web
Laura – Todo evento, possui críticas, boas e ruins. Principalmente um evento com a magnitude da Copa do Mundo. Quando esta crítica é feita de forma construtiva, técnica e profissional, é saudável. Faz parte do processo de construção de qualquer projeto, ainda mais artístico e cultural. Então, os olhos da crítica negativa ao evento, fazem parte. E, sobretudo, são olhos livres para terem sua opinião sobre o que viram. Mas vi também muitos olhos felizes, de pessoas que deram o melhor de si naquilo que a elas foi proposto, e nestes olhos, incluo o meu. Vi olhos que absorveram positivamente essa proposta e que ao assistir, seja pela televisão ou de forma presencial, gostaram e se sentiram satisfeitos, felizes, emocionados. O gostar ou não, é um campo subjetivo e de liberdade, arriscado de adentrar.

Márcia – Nunca vamos agradar a todos! Eu tiro como direito de expressão, de opinião. Me magoou sim, mas não me abala. Acho que os brasileiros deveriam ser mais participativos. Somos artistas, sempre vamos ouvir ou ler algo de um trabalho executado, positiva ou negativamente. Concordo que teria ficado mais bonito se fosse à noite, poderíamos ter usado e abusado de fogos de artifícios e efeito de luz, mas quem escolheu o horário da abertura foi a Fifa, e a Copa está aí, sendo realizada.

InformeCapital – Poucos Estados tiveram uma representação regional ali na apresentação. Foi uma falha?
Laura – Diante da estrutura apresentada, percebo que com toda a diversidade e pluralidade que nosso país possui, e com tantos detalhes peculiares que cada Estado tem em sua cultura, as regiões como um todo estavam presentes e representadas no evento.

Márcia – O que mais queríamos transmitir, sem dúvidas, era o samba. A nossa cultura folclórica musical. Também queríamos destacar a festa de Parintins e, é claro, a maior festa popular do mundo, o Carnaval. Mas a representação do povo brasileiro, achei meio vago, personalidades como Carmem Miranda, Joãosinho Trinta. Poderia ter mais Estados, poderia ter mais adereços. Esta é a minha opinião, mas temos que respeitar a coreógrafa, que teve uma visão diferente dos coreógrafos brasileiros.
InformeCapital – Acha que se fosse um coreógrafo brasileiro, a apresentação teria ficado melhor?

Márcia – Sim! O brasileiro conhece a história. Somos o único povo que para o país para fazer a 2ª maior festa do mundo, o carnaval. É um teatro aberto que virou passarela visto e assistido pelo mundo. Grandes nomes como os mestres Paulo Barros e Deborah Colker poderiam fazer diferença.

Laura – Olhos de brasileiro falando de Brasil? Pode ser que sim. Depende do brasileiro. Mas é inevitável não dizer e ressaltar que nosso país possui grandes nomes de grande competência, e que certamente muito teriam a somar. Tínhamos brasileiros entre nós, na linha de frente também. Mas brasilidade nunca é demais.

InformeCapital – Para finalizar, se arrependem por ter participado?

Márcia se preparando para a entrada - Foto: Arquivo Pessoal
Laura – Não! Quando surgiu a oportunidade em participar, como voluntária, da cerimônia de abertura, eu não tive dúvidas! Nem tudo na vida é remuneração financeira, e o voluntariado possui seu valor e sua contra partida impagável. Desde a seleção do elenco até o dia do show, me preocupei em dar o melhor de mim como bailarina e como pessoa, e saí da arena com sensação de dever cumprido. Meu coração de bailarina e brasileira estava feliz e percebo que uma das maiores riquezas que podemos ter é essa: o coração em estado de satisfação e dever cumprido. Desde o início tive vontade dentro de mim de levar ao mundo, através da arte que tanto amo, o calor humano brasileiro. Esse calor do meu Brasil que tanto luta e se esforça em ser um país cada vez maior e melhor do que já é!
Em relação às críticas e tudo mais, percebo que é um sentimento geral do elenco: não que tenha sido de indiferença, mas é que nosso esforço dentro daquilo que foi passado para nós fazermos foi tão grande, tão árduo, e que as consequências e emoções em nós foram tão boas, que de certa forma não afetou o nosso orgulho em ter participado do evento nem tão pouco o reconhecimento da legitimidade daquilo que ali estávamos fazendo.

Márcia – Nunca! Faria tudo novamente! Amei, foi lindo, maravilhoso, uma experiência incrível e única. Foi bom para meu histórico . É a Copa no Brasil, sou brasileira com orgulho.

A cerimônia de abertura da Copa do Mundo aconteceu no dia 12 de junho, na Arena Corinthians, em São Paulo, momentos antes do jogo de abertura entre Brasil e Croácia. A coreógrafa da apresentação foi a belga Daphné Cornez. O encerramento da cerimônia foi marcado pela interpretação da música oficial do evento, “We Are One”, cantada por Cláudia Leitte, Pitbull e Jennifer Lopez. Também participou da música a banda Olodum. Toda a programação foi dividida em quatro etapas: Natureza, Pessoas, Futebol, Encerramento.



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